Hoje, pela primeira vez já há muito tempo, proponho-me uma meia hora de escrita convencional. A caminhadazinha, o cafezinho, a escritazinha. Nem trago nada preparado nem nada. Mais convencional que isto não pode ser. Tem piada eu chamar-lhe convencional, quando já há muito tempo que só tenho posts tudo menos convencionais, desde escrita noutras cidades, escrita em esplanadas da praia, escrita em aviões, e a escrita do mesmo assunto que se prolonga por três ou quatro meias horas. Faz-me lembrar o meu professor de História do, salvo erro, sétimo ano, que tinha por convenção escrever o sumário no início da aula, mas ao fim de pouco tempo começou a fazê-lo sempre no fim da mesma. Dizia "Hoje, excepcionalmente, escrevemos o sumário no fim da aula". Dizia isto em todas as aulas. Até que um dia, já mesmo no fim do ano lectivo, ele disse "Não, hoje, ordinariamente, escrevemos o sumário no início da aula". Toda a gente se riu. Portanto, é isso, chamar convenção a algo que na prática nunca é usado, digamos que não é muito correcto, mas pode-se fazer na mesma. A cidade está silenciosíssima hoje. É incrível como está tão quieta e calada. O contraste é ainda maior tendo em conta o ambiente de festa, a vibração que se sentia ainda há menos de uma semana, nas noites da feira e dos concertos. A cidade rugia nessa altura, agora está afónica. Está tão silenciosa que passo pelas casas e ouço as televisões lá dentro a darem as notícias. Ouço até o silvo que a televisão faz só por estar ligada. Dá para ouvir as conversas das pessoas de dentro das casas, e até alguém num qualquer primeiro andar a ter aulas de piano. A cidade está tão quieta e calada que até uma rapariga que saiu de casa e começou a andar um pouco à minha frente, depois de entrar no carro trancou-se por dentro enquanto eu passava, porque um gajo a passear numa cidade deserta com um moleskine na mão só pode ser tarado sexual ou assim. Apesar de tudo é agradável passear numa cidade silenciosa. Quem vem de fora deve ficar assustado, eu quando andei à noite na vila deserta de Tarbes em França ia-me borrando de medo. Mas Cantanhede é simpática, como aqueles cães são bernardo que são grandes a ponto de atirar uma pessoa ao chão mas no fundo não fazem mal a uma mosca. Não que passear na cidade deserta fosse propriamente o objectivo de todo este protocolo que é a meia hora de escrita, mas é reconfortante mesmo assim. Faz-me pensar na vida e sentir-me espirituoso. O sentir-me espirituoso é uma expressão engraçada, porque dá a ideia que tenho mais espírito quando estou pensativo do que noutras situações. Mas isso é matéria para outra meia hora.
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