13 de outubro de 2010

Ter. 22:59 - 23:29

As meias horas de escrita não têm um título propriamente dito, mas se tivessem, o desta meia hora seria O Emulador de Sentimentos. Hoje tive de reler o livro de NLA e fazer um pouco de pesquisa antes da escrita (quebrando mais uma vez as regras do blog? Oops...) para não vos induzir em erro sobre o Síndroma de Asperger. No entanto, apesar de tentar ser o mais exacto possível, estou a dar a minha impressão pessoal do síndroma, e posso estar a cometer uma carrada de incorrecções. Na dúvida, consultem o livro original. Para contentar o psicólogo, digamos que eu tenho traces, vestígios de SA (andei a evitar a sigla, mas realmente é mais prática). No meu caso talvez não a considere tanto uma doença mas uma característica, que pode dar-me alguns problemas mas também vantagens, como a apetência pela programação, por exemplo. O que é isso do emulador de sentimentos, afinal? Primeiro tenho de tentar explicar o que é um emulador. Quem joga jogos de vídeo já deve ter ouvido falar. Basicamente um emulador é um programa que se instala numa máquina (tipicamente um PC) para a fazer comportar-se como se fosse uma máquina diferente (como uma consola de jogos ou um telemóvel). O resultado é que assim podemos jogar os jogos da consola no PC, mas a conversão nem sempre é perfeita: no PC os jogos tornam-se mais lentos, os gráficos não têm a mesma qualidade, o controlo da personagem não é bem o mesmo. Por outras palavras, não é uma consola, é apenas um PC a fingir que é uma consola. Tentando ser um bocadinho menos técnico, pensem num matemático que não pode usar a multiplicação nas suas contas. Ele consegue chegar ao mesmo resultado usando sequências de somas, mas dá muito mais trabalho. Tentando ser menos técnico ainda, digamos que é o equivalente de caçar com gato quando não se tem cão. As pessoas com SA não conseguem expressar os seus sentimentos directamente, como fazem as outras pessoas. Em vez disso, usam um emulador: conseguem exprimir o sentimento na mesma, mas não é bem igual, parece estranho, demora mais tempo. Ao mesmo tempo, a sua percepção dos sentimentos dos outros passa pelo mesmo emulador, e por isso a informação que chega vem meio codificada, com algumas falhas, difícil de entender. A grande falha das pessoas com SA reside na interacção com as outras pessoas, e por isso muitos deles dão mais atenção às coisas (como os já referidos computadores e consolas), que no seu entender são mais lógicas e fáceis de perceber. O melhor exemplo (ou pelo menos o mais caricato) que posso dar para perceberem como actua uma pessoa com SA é o Sheldon de The Big Bang Theory. Mas segundo NLA, o próprio Mr. Bean encaixa-se numa das versões menos pesadas do síndroma. As versões mais duras entram já no campo do autismo, das quais o protagonista do filme Rain Man é o exemplo mais sonante, mas ainda assim um dos casos menos graves. Na outra ponta, a dos casos vestigiais, temos eu, um tipo perfeitamente normal que só tem um bocadinho, um bocadinho de nada de problemas de interacção social... No fundo, suponho que depende da qualidade do emulador...

7 de outubro de 2010

Qui. 21:33 - 22:03

Dediquei parte das férias passadas a ler o livro "Mal-entendidos", de Nuno Lobo Antunes. Trata-se de um guia sobre as perturbações psicológicas mais comuns em crianças e adolescentes, como dislexia, síndroma de Asperger e hiperactividade. É um livro interessante para pais e professores, não só para perceberem os próprios filhos mas os colegas destes, compreender e aceitar as diferenças entre os miúdos. Eu não tenho filhos nem alunos mas também achei o livro muito interessante, especialmente por explicar com algum detalhe o Síndroma de Asperger com o qual me identifico. Já agora, O Síndroma, ou A Síndrome? E porque é que Síndroma, que acaba em a, é masculino? Enfim. O psi diz que eu não o tenho, com a desculpa de que a Asperger's é em parte genética, e o meu caso parece ter origem quase exclusivamente ambiental. No entanto a mim parece-me que ele está a mentir um bocadinho, e até o compreendo se o fizer. Talvez esteja a tentar evitar que eu me "auto-medique", até porque é de certa forma um conforto sabermos que aquilo que sentimos (ou neste caso, deixamos de sentir) tem um nome, que há outras pessoas na mesma condição e que há um grupo de especialistas que se dedicam a estudar o assunto. É fácil identificarmo-nos com a doença depois de reconhecermos alguns dos sintomas, e o perigo vem quando chegamos ao médico e dizemos "acho que devo ter a Doença de Meireles, porque sinto isto e isto e isto" (ouça lá, quem é que é o médico aqui?). Também acho que é a forma dele me dizer que o meu caso não é assim tão grave, mas isso não interessa para uma doença - atenção, não é doença, é uma perturbação, ou um desvio psicológico, eles têm um nome técnico para isso, eu é que não me lembro - que tem vários níveis de severidade, ainda mais sendo as mais severas denominadas por autismo, no meu caso sei que estou num estado menos severo, uma versão light se quiserem, mas acredito que tenho a coisa, o síndroma. Muitas das características da Asperger's estão na forma como me comporto. Sobre as características tenho de falar noutra ocasião, que esta meia hora já se foi.

5 de outubro de 2010

Ter. 15:41 - 16:11

Com esta cena da escrita ultimamente ganhei estatuto de observador. Ando mais atento ao que se passa à minha volta, aprecio as paisagens, tento ver a expressão das pessoas, saber o que estão a sentir. É curioso verificar que são muito poucos os observadores como eu. Toda a gente parece muito stressada, muito preocupada apenas consigo própria e com a pessoa que tem à frente. Vejo-me sentado num café apinhado de gente onde pareço ser a única pessoa que olha em volta. Engraçado como se consegue ignorar uma sala cheia de gente. Não é nada do outro mundo, bem visto, eu próprio sou assim por vezes, mas não deixa de ser curioso. Os apologistas do romantismo dizem que devemos parar de vez em quando e olhar em volta, apreciar a vida, ver como é bela, dar graças pelo que temos. Eu não sou tanto assim, acho que não temos necessidade de olhar à nossa volta se estivermos satisfeitos com a pequena percentagem do mundo que queremos ver. Apesar disso, todos temos os nossos momentos de stress e tristeza, pelo que de vez em quando todos acabamos por olhar em volta e apreciar a vida, quanto mais não seja para podermos acreditar que o Universo é infinito e por isso é quase impossível que estejamos sós na nossa tristeza. No entanto, o meu estado de observador não é devido a stress ou tristeza, é devido à necessidade de compreensão da natureza humana, e à incessante procura por seres semelhantes a mim, observadores por excelência, que partilhem a minha curiosidade e a minha falta de compreensão. Pode parecer estranho porque alguém com a mesma falta de compreensão que eu não parece que me vá ajudar a compreender. Mas na verdade ajuda, tal como duas pessoas que estudam juntas para o mesmo exame, temos o conforto de ter outra pessoa ao mesmo nível que nós, e por cada coisa nova que aprendemos vamos ensinando o outro, de onde a aprendizagem resulta mais progressiva e natural. Não é de admirar que o conceito do brainstorm seja tão eficiente, afinal é da confrontação e discussão de ideias que se descobrem coisas novas, uma pessoa sozinha só consegue idealizar até certo ponto, até um génio como o Dr. House precisa dos seus assistentes para poder confrontar as suas ideias e estimular a mente.

4 de outubro de 2010

Seg. 17:14 - 17:44

OK, porque é que é uma em 20000 pessoas, e não uma só? Bem, não acham demasiada coincidência que toda a gente encontre a pessoa mais importante do mundo, para si, nas pessoas que conhecem? É legítimo pensar que provavelmente existam pessoas com as mesmas características no conjunto de pessoas que nunca viremos a conhecer. É como acreditarmos que o Universo é demasiado grande para albergar apenas um planeta com vida, apesar de ainda não termos encontrado nenhum planeta com vida além do nosso. Aliás, neste momento acredito que é até muito mais fácil que isso. Além do simples facto de afinal não conhecermos 20000 pessoas ao longo da vida, mas um bocado menos, mesmo nas pessoas que conhecemos conseguiríamos encontrar três, cinco, dez pessoas da nossa vida. E mesmo existindo a possibilidade de, nessas dez, uma delas ser melhor que as outras, na realidade não podemos testar essa possibilidade, primeiro porque estamos sujeitos à disponibilidade e interesse das pessoas envolvidas, e depois porque estando nós na presença de uma dessas pessoas "perfeitas", é com essa que ficamos, não fazemos nenhum "teste comparativo" nem nada do género. Mas com isto voltamos à questão de há dois artigos atrás, de entre as quatro raparigas de um mesmo grupo, qual seria a pessoa ideal para nós? E a resposta é que raramente somos nós (ou elas) a escolher. Vai-se a ver e uma delas é casada, outra mora a 500 km daqui e nunca mais a vamos ver, e a terceira só gosta de outras raparigas. Se tivermos de escolher, será entre ficar com a última rapariga, que aparentemente cumpre todos os requisitos, ou esperar pelo próximo grupo de quatro.